Fim de tarde
Há pouco, a luz nas últimas folhas das árvores da praceta, vista da janela da sala, pareceu-me muito bonita. Não gosto da hora de Inverno, deprimem-me as noites que começam quando ainda deveria ser dia, e a minha escuridão, aquela de que fujo o ano inteiro, fica insustentavelmente mais próxima. Mas, apesar disso, tenho de admitir que esta luz dourada dos dias limpos de Outono é belíssima. Lembra-me as idas à terra da minha mãe. Engraçado, tantas vezes que fomos lá no Verão e lembro-me sempre mais das idas pelos Santos. Da luz dourada que escorria pelas paredes de granito e pelo caminho de terra batida, do cheiro a fumeiro, dos sacos de sarapilheira com pinhas, do cheiro a maçãs e a pó no sótão de telha vã, dos homens a partirem as nozes com as mãos, das nódoas de tinto na toalha, da minha mãe a dizer ao meu pai, não bebas tanto que vais guiar de noite, que agora faz-se noite mais cedo, a minha mãe, encostada à bancada da cozinha, o casaco de malha pelas costas, anda, vamos agora, antes que se faça tarde, a voz resignada a escorrer-lhe pelo canto dos lábios apertados, o cheiro a maçãs e fumeiro, o baço do granito e a poeira levantada do caminho da terra batida a encardirem-lhe a vontade e a cruzarem-lhe o casaco de malha como se fosse um xaile, anda, vamos agora antes que se faça noite, a noite a fazer-se no caminho e apesar do hálito a vinho do meu pai, a luz do fim dia, vista da janela do carro, a parecer-me muito bonita.