Várias maneiras
A Rafaela dos recursos humanos perguntou-me se eu ia votar nestas autárquicas. Respondi-lhe que não.
- Então, uma pessoa que se diz dona de uma consciência politica e social tão grande, não vai votar? – perguntou-me, com cara de gozo.
Apeteceu-me mandá-la à merda. Em vez disso, expliquei-lhe que tinha deixado de acreditar no poder autárquico durante os onze anos que vivi fora da cidade. Onze anos vividos numa terra pequena, sem ar nem oportunidades para os de fora e durante os quais percebi que as autarquias são apenas um centro de emprego para os mesmos de sempre. Conheci famílias onde o marido, a mulher, uma cunhada mais dois ou três primos trabalhavam todos na Câmara Municipal. Fora as cunhas que foram arranjando para os colegas de escola. Que fui sabendo que alguns do vereadores ou membros da Assembleia Municipal tinham negócios por fora, alguns apoiados pelas autarquias ou apenas amparados pela influência política. Fora os cargos associativos. E os que não conseguiam a cunha para ter um emprego no Estado, passavam a vida a lamber botas para ver se conseguiam financiamentos para “projectos”. Ah, senhor Presidente, senhora Vereadora, como está, cumprimentos à família, sim? Iam dizendo, enquanto batiam palminhas até a espinha se lhes dobrar em dois. E quem não lhes lambe as botas nem é "da terra", está lixado.
- É uma porta aberta para o caciquismo e a endogamia – disse-lhe.
E como ainda estava irritada com a cara de gozo, perguntei-lhe:
- Sabes o que é caciquismo e endogamia, não sabes?
Há muitas maneiras de se mandar alguém à merda.