Feridos de guerra
Uma amiga ligou-me para irmos beber café, ao fim do dia, quando eu saísse do trabalho. Combinámos num café perto daqui, um daqueles cafés que têm o preçário escrito numa ardósia, servem limonadas em frascos de doce e fatias de bolo em pratos que imitam placas de xisto.
Pusemos a conversa em dia. Ou melhor, ela pôs. Desfiou uma hora e vinte e cinco minutos de queixas sobre o marido, os filhos, os vizinhos, os colegas da escola e a mãe. Especialmente sobre a mãe, que é uma daquelas mães que têm um prazer enorme em magoar os filhos. Os filhos são alvos fáceis. Uma bala basta para serem eternamente feridos de guerra.
Depois ela fez sinal ao empregado e pediu uma fatia de bolo de chocolate.
- Para partilharmos- disse ela. Olhou para mim e perguntou – Engordaste um bocadinho no confinamento, não engordaste?
Disse que sim, justifiquei-me com a ausência de caminhadas e o ter ficado a trabalhar em casa. Sorriu e pediu para tirarmos uma selfie. Estou com ar horrivelmente cansado, protestei, olha-me estas olheiras. Saí do trabalho e nem me maquilhei para vir ter contigo.
À noite, fez like na minha fotografia de perfil, tirada há uns seis anos, e escreveu: “Linda!”. Depois partilhou a selfie que tiráramos horas antes e escreveu: "Nós as duas, como realmente somos."
Observei a fotografia e achei-a parecida com a mãe dela.
Há agredidos que só encontram alívio quando perpetuam nos outros as agressões que sofreram.